Há um alcoólico na sua vida?

Estes textos não se baseiam na teoria mas sim na experiência - em numerosas experiências de pessoas próximas de alcoólicos que sabem o que é viver com eles.

Talvez dissessem:

Nós sabemos o que está a enfrentar. Sabemos o quão desconcertante é viver com um bebedor-problema, ver relacionamentos íntimos e amorosos dilacerados pela raiva irracional e pelo conflito, ver a vida familiar transformar-se num caos, ver o tão indispensável dinheiro ser gasto em bebidas alcoólicas ou em hospitalizações relacionadas com o álcool em vez de bens essenciais, ver as crianças a crescer num ambiente perturbado e imprevisível. Mas também sabemos que, se a pessoa que você ama reconhece o problema e quer realmente parar de beber, então existe uma solução que tem funcionado para os nossos entes queridos e que pode funcionar também para o seu.”

Apesar de todos os problemas que a bebida possa ter trazido, talvez você não esteja disposto a admitir para si mesmo que tem um ente querido que é alcoólico. Um bebedor-problema, sim, mas não um alcoólico. A palavra pode trazer-lhe muitas associações perturbadoras. Mesmo que o próprio alcoólico o admita, você pode continuar a tentar negar. Muitas pessoas sentiram o mesmo relativamente a um ente querido até entenderem que o alcoolismo é uma doença, facto que a medicina actual confirma.

O alcoólico pode recuperar-se

O alcoólico é uma pessoa que sofre de uma doença para a qual não há cura conhecida –  isto é, não há cura que lhe permita passar a poder beber moderadamente, como um não-alcoólico faria, durante um longo período de tempo. Por ser uma doença – uma compulsão física combinada com uma obsessão mental pela bebida – o alcoólico deve aprender a abster-se completamente do álcool para poder viver uma vida normal.

Basicamente, o alcoolismo é um problema de saúde – uma doença física e emocional – e não uma questão de falta de força de vontade ou um problema de fraqueza moral. Assim como não faz sentido culpar a vítima de diabetes de falta de força de vontade por ter adoecido, é inútil acusar o bebedor-problema de ser responsável pela doença ou considerar a sua forma de beber como um vício.

O alcoolismo toma vários caminhos.  Alguns membros de AA 

beberam de uma forma descontrolada logo desde a primeira bebida. Noutros a progressão foi lenta, levou décadas até chegarem a essa maneira de beber descontrolada. Alguns alcoólicos são bebedores diários. Outros conseguem abster-se durante longos períodos e subitamente descontrolam-se, apanhando grandes bebedeiras. São os que podem ser chamados bebedores sazonais. 

Uma coisa que todos os alcoólicos parecem ter em comum é que, com o passar do tempo, a sua maneira de beber vai piorando. Não há dados que comprovem que um alcoólico tenha sido capaz de regressar, de forma duradoura, a uma maneira de beber social normal. Não é possível ser-se “um bocadinho alcoólico”. Há alcoólicos que apresentam sintomas mais graves do que outros, uma vez que a doença progride por fases. Contudo, a partir do momento em que os bebedores-problema cruzam a linha do alcoolismo, já não conseguem voltar atrás.

O que pode fazer?

Sabendo-se que mais de 2 000 000 de bebedores-problema alcançaram a sobriedade em AA, você poderá estar ansioso por “fazer qualquer coisa” pelo alcoólico que existe na sua vida. Pode querer explicar-lhe que o alcoolismo é uma doença e recomendar-lhe que leia a literatura de AA e que depois siga imediatamente para a reunião de AA mais próxima.

Às vezes, este tipo de abordagem funciona. Depois de lerem os folhetos ou livros de AA, muitos bebedores-problema telefonam para o escritório local de AA, começam a frequentar reuniões e deixam para trás os seus dias de bebida de uma vez por todas.

Mas, na verdade, grande parte dos alcoólicos ativos não estão desejosos nem prontos para recorrer a AA só porque um ente querido lhes faz a sugestão. Os seus hábitos de consumo de álcool estão profundamente enraizados na sua personalidade e a compulsão do alcoólico pela bebida gera muitas vezes uma resistência obstinada a qualquer tipo de ajuda. Admitir-se que se é alcoólico, por muito simples e evidente que possa parecer, implica que a pessoa se comprometa a fazer qualquer coisa em relação ao seu problema com a bebida. E o alcoólico pode não estar pronto para isso. Uma caraterística frequente da doença é o alcoólico acreditar que a bebida lhe é indispensável para lidar com a vida. Na mente confusa de um alcoólico, a necessidade de beber pode literalmente parecer uma questão de vida ou morte.

Quando é o momento certo?

Não é fácil perceber quando um alcoólico está “pronto” para AA. Nem todos os bebedores têm que chegar aos mesmos estados físicos ou mentais antes de se decidirem a procurar ajuda. Um alcoólico pode ser enquadrado, grosso modo, num destes quatro grupos: 

1. Estas pessoas podem parecer apenas bebedores exagerados. Pode ser que bebam todos os dias ou com menor frequência, e só ocasionalmente em grandes quantidades. Gastam demasiado dinheiro em bebidas alcoólicas e podem estar já a sofrer algumas consequências físicas e mentais, embora não o admitam. O seu comportamento é, por vezes, embaraçoso. Ainda assim, é possível que continuem a afirmar que sabem lidar com o álcool e que o consumo é essencial para o seu trabalho. Provavelmente sentir-se-iam insultados se alguém lhes chamasse “alcoólicos”. Nesta fase, é possível que se estejam a aproximar da fronteira que separa o bebedor social do bebedor compulsivo. Alguns podem ser capazes de moderar a sua maneira de beber ou até parar de beber completamente. Outros podem atravessar essa fronteira, perder progressivamente a capacidade de controlar o seu consumo e tornar-se alcoólicos.

2. Nesta fase, os bebedores não têm controlo sobre o seu consumo de álcool e começam a preocupar-se. Incapazes de se manterem sóbrias mesmo quando é isso que querem, as pessoas neste grupo, quando bebem, muitas vezes acontece que perdem completamente o controlo e podem até admiti-lo no dia seguinte. Mas têm a certeza de que “da próxima vez vai ser diferente”. Estes bebedores passam a recorrer a diversos mecanismos de “controlo”: beber apenas vinho ou cerveja, beber apenas ao fim-de-semana ou só durante certas horas do dia ou da noite, ou inventar uma forma de espaçar o tempo entre as bebidas. Pode ser que tomem uma bebida “medicinal” pela manhã para acalmar os nervos. Após grandes bebedeiras, ficam arrependidos e querem parar. Contudo, assim que se sentem melhor, começam a acreditar que, da próxima vez, vão realmente conseguir beber com moderação. Talvez ainda cumpram relativamente bem com as suas responsabilidades no trabalho ou em casa. Parece-lhes surreal a ideia de que a sua maneira de beber vai piorar progressivamente e que poderá causar a perda da família, do trabalho ou do afeto dos outros. Entretanto, vão dizendo que gostariam de parar de beber. Os que já andam em AA há uns tempos diriam: “Eles querem querer parar”.

3. Estes bebedores ultrapassaram a segunda etapa. Perderam amigos, não conseguem manter postos de trabalho e verificam que vários relacionamentos íntimos estão arruinados. Talvez já tenham consultado médicos e iniciado o vaivém esgotante das desintoxicações e hospitalizações. Percebem muito bem que não são capazes de beber normalmente, mas não conseguem entender porquê. Querem sinceramente parar, mas não conseguem. Ninguém parece ser capaz de os ajudar a permanecer sóbrios. Na busca de um caminho para a sobriedade, vão caindo num desespero cada vez maior. Geralmente já experimentaram alguma forma de apoio psicológico e talvez até uma dieta especial ou um tratamento de vitaminas e, por pouco tempo, pode até parecer que a situação melhorou, mas logo de seguida o declínio continua. Perdem todo o interesse pelas relações sociais construtivas, pelo mundo à sua volta e talvez até pela própria vida. A única emoção que demonstram com um mínimo de consistência é a autopiedade. 

4 . Nesta última etapa, os bebedores podem parecer irrecuperáveis. Já passaram por todos os centros de tratamento. Muitas vezes violentos, parecem loucos ou alheados da realidade quando estão bêbedos. Às vezes, no regresso do hospital para casa, ainda arranjam maneira de beber um copo às escondidas. Podem sofrer de alucinações alcoólicas – o  delirium tremens (DT). Neste ponto, os médicos poderão aconselhar a que o bebedor seja internado numa instituição. 

Talvez você já tenha tido que o fazer. Sob muitos aspetos, estes bebedores parecem casos “desesperados”. No entanto, a experiência de AA demonstra que, por muito baixo que tenham descido, são raros os bebedores que estão fora de alguma esperança de recuperação em AA – isto é, se eles de facto  quiserem  recuperar.

Pode levar algum tempo antes que os alcoólicos admitam a sua doença. Podem argumentar que os seus problemas são “diferentes” e que AA não é necessário ou desejável para eles. Estes bebedores frequentemente referem que ainda estão longe do “fundo do poço”, à medida que aquilo que consideram ser o “fundo” vai descendo mais e mais. Ou então, simplesmente continuam a insistir em como são capazes de se manterem sóbrios pelos seus próprios meios. Infelizmente não são, e não o fazem.

Quem ama um alcoólico poderá achar que reações e subterfúgios deste género são difíceis de aceitar. A verdade nua e crua é que ninguém pode impor o programa de AA a quem quer que seja. No entanto, se o bebedor que você ama está hesitante em aceitar essa ajuda, então você poderá agir no sentido de apoiar o processo de recuperação.

Você pode adquirir um sólido conhecimento do programa de AA – sempre que possível em primeira mão – de maneira a que, quando o alcoólico estiver pronto, você se encontre na melhor posição para o ajudar. Pode também informar-se escrevendo ou telefonando para AA ou para os Grupos Familiares Al-Anon.

Em muitas comunidades, os familiares e amigos de membros de AA (e de quem precisa de AA) reúnem-se regularmente para trocar experiências e pontos de vista sobre os problemas do alcoolismo. Estes grupos são conhecidos como os Grupos Familiares Al-Anon. Entre estes surgem os grupos Alateen, específicos para adolescentes que têm pais alcoólicos. Al-Anon não é filiado em AA, mas a sua contribuição tem sido substancial para uma compreensão cada vez maior do programa de recuperação de AA. Acreditam que o alcoolismo é uma doença da família e que uma mudança de atitudes pode facilitar a recuperação.

A longa experiência de AA ensinou-nos que é preciso confiança e paciência para motivar o alcoólico a iniciar o seu processo de recuperação. Se vir que o alcoólico reage à sua recomendação entusiasmada de AA, recusando-se sequer a discutir o assunto, você poderá ficar desanimado(a) e ressentido(a). Às vezes, por causa das confusões causadas pelo alcoólico, ou porque as crianças estão a ser afetadas negativamente, você poderá decidir ir-se embora e deixá-lo(a) a enfrentar o problema sozinho(a). O facto de ficar sem nenhum sítio para ir a não ser AA pode realmente levar o alcoólico a procurar ajuda mais cedo do que o faria se você tivesse ficado por perto. Às vezes é preciso ser cruel na altura certa, para se poder ser gentil a longo prazo.

O alcoólico pode ainda revoltar-se exteriormente contra a ideia de AA, mas é possível que já esteja perto de aceitar o seu encorajamento e apoio, e de tomar a decisão de entrar em AA ou de, pelo menos, ir ouvir o que outros alcoólicos em recuperação têm a dizer sobre o programa. Nesta fase, o alcoólico está geralmente confuso: sabe que a doença tem que ser tratada de alguma forma, mas é incapaz de avaliar claramente a situação. Os alcoólicos têm frequentemente uma falsa ideia de AA e dos seus membros. Por isso, o seu próprio conhecimento de Alcoólicos Anónimos poderá tornar-se extremamente útil neste período crítico. Você será capaz de responder a perguntas, de fazer sugestões e de corrigir pressupostos errados acerca de AA.

 

QUEM PARTICIPA

NAS REUNIÕES DE

ALCOÓLICOS ANÓNIMOS

A maioria dos grupos mantém uma ou mais reuniões por semana, sendo algumas “fechadas” (apenas para membros de AA ou recém-chegados) e outras “abertas” (a familiares e amigos). Nessas reuniões, os membros partilham as suas experiências com o álcool antes de chegarem a AA, e explicam como os princípios de AA os conduziram à sobriedade e a uma nova perspetiva de vida.

Os membros de AA são em geral representativos de todos os setores da sociedade. Entre eles encontram-se professores, profissionais liberais e homens de negócios, assim como pessoas com pouca ou nenhuma escolarização. Um corretor de bolsa e um médico, ambos alcoólicos, fundaram AA. O alcoolismo é indiferente à inteligência, ao talento, à educação ou à posição social, e pode atingir tanto um enfermeiro ou um sacerdote, como um artista ou um escritor.

Não é uma organização religiosa

Alcoólicos Anónimos tem sido descrito como sendo basicamente um programa espiritual. É verdade que não oferece qualquer ajuda material, como uma organização de apoio social o faria. Mas AA não é de modo algum uma organização religiosa. Não pede aos seus membros para manterem qualquer credo formal ou realizarem qualquer ritual, nem sequer que acreditem em Deus. Os seus membros pertencem a todo o tipo de igrejas. Muitos não pertencem a nenhuma. AA pede apenas aos recém-chegados que mantenham a mente aberta e que respeitem as crenças dos outros.

AA sustenta que o alcoolismo, além de ser uma doença física e emocional, é também em certa medida um distúrbio espiritual. Porque a maioria dos alcoólicos tem sido incapaz de gerir a sua vida, parecem encontrar uma terapia eficaz na decisão de entregar o seu destino a um poder superior a eles mesmos. Muitos membros de AA referem-se a esse poder como “Deus”. Outros consideram o grupo de AA como esse poder de que podem depender. A palavra “espiritual” em AA pode ser interpretada tão amplamente quanto se queira. E não há dúvida de que se sente um certo espírito de comunhão em todas as reuniões de AA!

Os Doze Passos de Alcoólicos Anónimos

Parte do programa de recuperação que AA sugere está enunciado nos Doze Passos. Com base na experiência dos primeiros membros de AA, os Passos são um registo dos princípios e práticas que eles desenvolveram para manter a sobriedade (isto após muitas outras abordagens terem falhado). Se o alcoólico que existe na sua vida recua perante a ideia de que vai ter que adotar um código formal de comportamento, pode tranquilizá-lo. Cada membro usa os Passos de uma forma individual. Os Passos são sugeridos como um programa de recuperação. Embora a experiência demonstre que a qualidade da sobriedade de muitos membros depende, em certa medida, da sua compreensão e aceitação dos Passos, nenhum membro de AA é obrigado a aceitá-los – ou até mesmo a lê-los. Cabe a cada um decidir como e quando é que vai usar os Passos.