O fim do álcool e o início da sobriedade

A última vez que bebi álcool foi na sexta-feira, dia 17 de Janeiro de 2014, quando fui passar o dia na minha segunda casa de habitação com a intenção de poder beber à vontade. 

Comecei antes de almoçar. Como fazia sempre, bebi whisky de manhã e, ao almoço, um bom vinho tinto alentejano. Estava um dia muito frio e bastante chuvoso, não permitindo sair de casa logo após o almoço, conforme estava previsto. Fiquei a ver televisão e a beber à espera do fim da chuva. Começava a escurecer e, como não queria chegar tarde a casa, decidi ir embora. 

Antes de chegar à auto-estrada, subi, sem saber como, uma rotunda. Acordei no posto da GNR, na presença do meu filho e do meu irmão. Fiquei bastante envergonhado, porque pela primeira vez não podia omitir o consumo exagerado de álcool, conforme tinha feito milhares de vezes à minha mulher e aos meus filhos.

No dia seguinte, quando acordei, lembrava-me pouco ou nada do sucedido e fiquei bastante assustado quando soube que, na segunda-feira seguinte, tinha de prestar declarações no Tribunal. Lembro-me perfeitamente de que, a partir desse dia, deixei de beber álcool. Hoje, comparo esta situação com uma vela que se acende e se apaga, diminuindo de tamanho, descendo cada vez mais fundo, chegando finalmente até ao fundo do poço. 

Dois dias depois do acidente, no domingo, fui almoçar em casa de um familiar e, para meu espanto, estava lá toda a família. Após o almoço, o meu filho, um dos responsáveis pelo encontro, explicou o motivo da reunião familiar dizendo que, a partir daquele momento, eu tinha duas hipóteses: deixar de beber ou fazer uma desintoxicação alcoólica numa instituição. De seguida, cada membro da família deu o seu parecer sobre o que tinha sucedido, demonstrando alguma admiração pois, afinal, eu era um bebedor caseiro e não social. Nas festas, casamentos e outros convívios sociais, bebia moderadamente mas, assim que chegava a casa, bebia o suficiente para compensar. Cheguei ao ponto de comprar diversas vezes garrafas de whisky e de vinho no supermercado como reserva, pois só assim me sentia mais seguro. Escondi garrafas em vários locais da casa, difíceis de encontrar. No entanto, a minha mulher encontrou algumas. Lembro-me bem de que, após três anos de sobriedade, encontrei uma das garrafas escondida. 

Antes de ir ao Tribunal, milhares de situações possíveis bombardeavam a minha cabeça, sempre a pensar em qual seria a sentença. Iria ficar preso numa penitenciária, utilizaria pulseira electrónica em prisão domiciliária, faria serviço comunitário, teria a carta de condução apreendida? Qual seria o valor da multa? Quando cheguei ao Tribunal, reconheci um dos dois agentes da GNR que me levaram à esquadra. Expliquei-lhe a minha intenção de enviar um e-mail de apreço ao Comandante do posto da GNR pela maneira educada e pedagógica como fui tratado. Este foi um acto de gratidão que muito viria a ajudar a minha sobriedade. 

Fui sentenciado a seis meses de apreensão da carta de condução, a multa no valor de 900€ e a dois anos de pena de prisão suspensa, sem registo no cadastro criminal. 

No mesmo dia, pela tarde, telefonei com muito medo e vergonha para os Alcoólicos Anónimos. Fui atendido por um companheiro que se disponibilizou prontamente, sem sequer me conhecer, a estar comigo no dia seguinte ao fim da tarde, junto a um café combinado. Explicou-me, em breves palavras, o que se ia passar no local das reuniões e disse-me que, se eu estivesse disponível, ainda no próprio dia poderíamos ir a uma reunião. Foi a melhor coisa que me podia ter acontecido. Estive na reunião, ouvi bastante as partilhas dos companheiros e, quando me perguntaram se tinha alguma coisa a dizer, quase nada, ou nada, disse. 

Fiquei surpreendido quando me disseram: “és a pessoa mais importante”. Pensei de imediato: “estes não regulam bem da cabeça”. Só após algum tempo comecei a perceber o sentido da frase e todas as sugestões dos companheiros como sendo um espelho que reflectia as minhas atitudes de bêbedo durante alguns anos. 

Hoje, só de pensar que, se tivesse ouvido o conselho da minha filha para ir aos Alcoólicos Anónimos, talvez não estivesse a beber durante tanto tempo, a ser desonesto, um grande aldrabão, mentiroso, orgulhoso, com um ego enorme, convencido, e mais que nem sei... Mas respondi-lhe dizendo não ser alcoólico, muito menos bêbedo, e que só bebia de vez em quando. 

A partir desse dia, comecei a fazer reuniões periódicas, gradualmente a partilhar, a fazer vários serviços, começando pelo café, RSG, moderador, IP, Décimo Segundo Passo. Esta mudança devo-a essencialmente a uma força superior. 

Em quase todas as reuniões menciono, quando chega um recém-chegado, que a minha sobriedade se deve à participação nas reuniões, a ouvir as partilhas dos companheiros e aos serviços realizados, lembrando ter usufruído de tudo isto quando cheguei pela primeira vez a uma sala de Alcoólicos Anónimos. 

Só por hoje, após alguns anos e meses, continuo sóbrio, sentindo-me mais honesto e humilde, com uma vida mais equilibrada. A minha mulher e os meus filhos estão mais contentes e confiantes na minha alteração de carácter e, sobretudo, os meus filhos estão a permitir-me o acompanhamento dos meus netos nas actividades extraescolares e no caminho para casa. 

Só tenho a agradecer a Alcoólicos Anónimos e aos companheiros que me ajudaram na minha sobriedade.