A minha primeira reunião

Foi em 1995 que, pela primeira vez, ouvi falar de Alcoólicos Anónimos. Lamentavelmente, ainda tive um processo de negação que durou cerca de

seis anos até fazer a minha primeira reunião, muito graças à insistência da minha mulher e das minhas duas filhas.

Decorria o mês de Maio de 2001 quando, depois de meses de consumo de álcool, com o meu fundo do poço ainda mais profundo, e, perante o amor

firme exercido principalmente pela minha mulher e pela minha filha mais velha, decidi “dar-lhes mais uma oportunidade”.


Como se fosse ontem, lembro-me que fui literalmente conduzido pela minha filha mais nova, ainda com os seus doze aninhos, para o Grupo de

Santa Isabel, em Lisboa. Durante o percurso, ainda tentei negociar com ela o adiamento dessa minha primeira reunião, mas tive dela uma oposição

muito decidida, convencendo-me de que não e de que tinha que ser desta que eu ia ficar numa sala de AA, fazendo ela questão de ficar à porta,

porque era uma reunião fechada, para evitar que eu fugisse mais uma vez, como tantas vezes antes tinha prometido ir a uma reunião e nunca tinha

cumprido.


Lá estava eu numa primeira reunião de Alcoólicos Anónimos, numa terça-feira do mês de Maio, que, tempos depois, percebi que tinha sido uma

reunião sobre o "Livro Azul". O ambiente na sala era precisamente o oposto daquilo que eu imaginava, pois todas as pessoas se apresentavam bem

vestidas, falavam tranquilamente, uma de cada vez, não havia diálogos nem discussões, às vezes com muito humor, coisas que estranhei muito

dado o estado em que me encontrava: nervoso, com muitos medos e muito desconfiado. Pudera, vinha com um passado de muitos anos de

desequilíbrios de ordem física, emocional, espiritual e, se calhar menos importante, também na parte financeira.


Como uma criança a dar os seus primeiros passos, fui ouvindo as pessoas, seguindo as sugestões, fazendo as coisas mais simples e uma de cada vez,

descobrindo que, afinal, eu tinha uma doença e não um problema, que, como eu pensava, um dia, com a minha força de vontade, ia conseguir

resolver. Comecei a aprender que havia uma solução, caso eu desse uma oportunidade ao Programa de AA que me apresentava mais uma opção:

viver sóbrio e fazer uma vida normal sem recurso ao álcool, sem ser necessário o seu consumo como forma de resolver os problemas e enfrentar a

vida, como tinha sido a minha prática durante os meus trinta anos de consumo.


Um dia de cada vez, fui percebendo que estava finalmente no sítio certo, que à minha volta estavam companheiras e companheiros que me iam

ajudar e servir de suporte no futuro, porque, ao contrário da experiência que tinha tido até à minha primeira reunião, sempre quis resolver tudo

sozinho, sem ajuda de ninguém, até mesmo quando tomava decisões que podiam prejudicar a minha família, amigos e colegas de trabalho, o que

aconteceu várias vezes.


Como autênticas lições para a minha vida, fui interiorizando princípios e ensinamentos, através das partilhas dos companheiros e da extensa e rica

literatura dos Alcoólicos Anónimos e, desta forma, fui ficando a conhecer e praticar uma nova forma de vida. Comecei a ouvir palavras como

"humildade", "honestidade", "serenidade", "responsabilidade", "aceitação", "serviço", "experiência espiritual", entre outras, mas, acima de tudo,

passei a tê-las sempre presentes, isto é, a praticar o Programa de AA em todos os aspectos da minha vida.


Devagar, devagarinho, fui adoptando o Programa de AA como uma forma de vida, embora nem sempre com sucessos, mas já não precisava de

recorrer ao álcool para enfrentar a vida sempre que as coisas não me corriam bem.


Inicialmente, estava exclusivamente voltado para o meu Grupo, fui dando pequenos passos no Serviço, começando pelos mais simples, como é

sugerido, sempre bem apadrinhado, até me sugerirem ir à um Fórum de Serviço da minha Área, com os meus seis meses de sobriedade, que

funcionou como o meu baptismo no serviço fora do meu Grupo pois, até aí, achava que a minha recuperação devia estar cingida ao meu Grupo de

base.


Essa primeira experiência ajudou-me a começar a perceber o que era AA como um todo, como funciona a sua estrutura, a importância da

organização com base na pirâmide invertida em que tudo começa e termina nos Grupos, a importância dos nossos líderes “investidos” por atracção,

eleitos democraticamente e não por imposição, enfim, uma nova atitude no relacionamento entre as pessoas, precisamente o contrário daquilo

que aprendi e pratiquei durante o meu activo.


Um dia de cada vez, vão sucedendo milagres na minha vida e sou testemunha de milagres que se operam à minha volta, na vida de companheiras e

companheiros que fazem parte da nossa Comunidade. Em relação à minha vida familiar, profissional e ao meu meio social, tenho recuperado muita

coisa e, por isso, tenho gratidão ao Programa de AA.


Esta nova forma de vida que Alcoólicos Anónimos me proporciona diariamente tem funcionado como um farol, sempre com ajuda de um Poder

Superior a mim mesmo, o que torna tudo mais leve, não obstante as dificuldades que surgem no dia-a-dia e que fazem parte da vida.


Assim, já consigo encarar esses obstáculos de frente, tentando ultrapassá-los, mas pedindo sempre ao meu Poder Superior "serenidade para aceitar 

as coisas que não posso modificar, coragem para modificar aquelas que eu posso e sabedoria para distinguir umas das outras".


Carlos R.