Já não sinto desespero

Comecei a beber aos treze anos. Fazia-o para me descontrair e conseguir sociabilizar, pois era muito tímido e envergonhado, com uma autoestima baixíssima. O álcool fazia milagres – com uns copos começava a sentir-me confiante e integrado. Mal sabia que estava a cair numa armadilha ardilosa.

Com o passar dos tempos, o consumo intensificou-se de tal modo que deixei de fazer fosse o que fosse e caí numa profunda depressão. Olhava-me ao espelho e odiava o que via. Marcava na agenda as datas em que ia apanhar bebedeiras de “caixão à cova”. E, por mais que uma vez, fui parar às urgências do hospital em coma alcoólico. Entretanto, passei por três internamentos, um antes dos trinta e dois recentemente, já na casa dos cinquenta anos.

Não conseguia aceitar a vida que tinha, nem quem eu era. Fizera da vida uma tragédia. O casamento desfez-se, perdi a minha filha e endividei-me ao ponto de não ter o que comer. O fundo do poço aconteceu em 2020. Nessa altura, impotente perante o álcool, aceitei que a minha vida se tornara ingovernável e pedi ajuda aos meus pais, que me ajudaram a negociar um plano de pagamento das dívidas nos próximos oito anos e a viver com a dignidade possível. Voltei ao meu trabalho e decidi não mais beber – pelo menos em excesso. Consultei um psiquiatra, que me tem seguido regularmente, e a médica de família encaminhou-me para um psicólogo, com quem também tenho consultas regulares. Mas sentia que faltava qualquer coisa – aquilo que precisamente Alcoólicos Anónimos (AA) me proporcionou – uma comunidade de homens e mulheres com o propósito comum de resolver os seus problemas com o álcool. Uma Comunidade de autoajuda onde existe sempre um companheiro, ou companheira, disposto(a) a ouvir-me e a ajudar-me, quando tudo o mais falha.

Só por hoje, vivo o dia-a-dia com escassos recursos materiais, mas já não sinto desespero pois, junto dos membros de AA, consegui encontrar um sentido para a minha vida.