Do Problema à solução

Faz hoje exactamente 2 anos que aquela substância “manhosa, desconcertante e poderosa” foi por mim consumida, vezes sem conta naquele dia, pela última vez até ao presente dia. Por isso mesmo decidi escrever e partilhar convosco algo sobre isso.

Hoje consigo olhar para trás e perceber que durante 24 anos da minha vida vivi envolvido num problema que estava presente em todas as áreas da minha vida. Considerei durante todo este tempo que tudo o que me rodeava era um problema. Os outros eram um problema, o Mundo era um problema, as circunstâncias da minha vida eram um problema, mas eu não, eu nunca fui um problema. Olhar para mim como um problema não era opção.

Nesta luta interna, embora tivesse percebido no meu íntimo que tinha um problema com álcool, pois nunca o consegui consumir de forma moderada, foram necessários muitos tombos e “fundos do poço” para o admitir. Considero mesmo que fui o último a fazê-lo, pois todos os que me rodeavam já se tinham apercebido. Foi só quando perdi o total sentido e réstia de prazer ou respeito pela própria vida (minha e de todos, e por tudo o que me rodeava) que a solução que Alcoólicos Anónimos me disponibilizou gratuitamente passou a ser um caminho possível, já em desespero de causa.

Durante esta viagem de tombos, insanidades, manipulações, desonestidades e negligência para com aqueles que amo, a solução dos meus problemas esteve sempre “engarrafada”.

A certa altura consegui convencer-me e convencer os outros de que tinha um problema mental irresolúvel. Recorri a terapeutas de medicinas alternativas, psicólogos e psiquiatras mas nada parecia resultar comigo, pois nada conseguiu resolver os problemas que eu considerava que me rodeavam. Até a artes de magia negra e branca recorri, mas o resultado era invariavelmente o mesmo: voltava a cair no caminho que conhecia na altura, a solução “engarrafada”. Este ciclo quase me levou à morte em duas situações distintas, mas que de

comum tiveram o resultado: continuar a viver “o problema”. Analisando agora estas duas situações em que “o outro lado” esteve bem próximo, não posso deixar de admitir que alguma entidade superior me amparou e não quis que eu deixasse o mundo dos vivos sem descobrir aquela que hoje considero ser a minha verdadeira solução: Alcoólicos Anónimos.

Após perder amigos, família e quase o emprego lá me foi sugerido por um dos psiquiatras a quem recorri a ida a uma reunião de AA. Por lá permaneci durante cerca de 1 ano e meio. Consigo olhar para esse período com a honestidade suficiente para perceber que ali era possível encontrar a solução que outros partilhavam, desde que estivesse disponível para praticar e viver o Programa. Mas a minha arrogância, o meu orgulho e as minhas reservas levaram a melhor, acabando por me afastar e dar oportunidade à falsa sensação de controlo de quem já não precisa de ajuda por julgar já ter resolvido o seu problema.

O período de cerca de 6 meses que se seguiu, posso-vos dizer que apenas me levou a perceber que o “poço” não tem “fundo”. O vazio e o sofrimento que vivi, só por hoje, não os quero voltar a sentir.

Depois veio o empurrão, daqueles que ainda me amavam, para um centro de tratamento.

O que eu queria na altura era conforto mas aquilo que me foi dado foi confronto. Fizeram-me olhar com honestidade para o meu passado e admitir que a fonte de todos os meus problemas era muito menos que aquilo que pensava, era eu próprio com a minha doença. Mas havia uma solução, um Programa de 12 Passos que se vivia e praticava na comunidade que outrora abandonara. Para começar bastava que aplicasse o “saber ouvir”, o “dispor-me a mudar” e o “partilhar a verdade acerca de mim e dos meus sentimentos”: mente aberta, boa vontade e honestidade.

Começou por ser dolorosa esta nova forma de estar em Alcoólicos Anónimos. Não fazia, de todo, parte dos mecanismos mentais que fui construindo desde os meus 14 anos de idade.  Dia após dia fui

estranhando e depois entranhando este novo modo de vida. Da dor de ser uma nova experiência passei, um dia de cada vez, a viver uma nova descoberta. Da dor da solidão inicial passei, um dia de cada vez, a ter mais pessoas na minha vida que não só me ajudam como me confrontam comigo mesmo através das suas partilhas. Afinal também elas vivenciaram sentimentos e experiências muito semelhantes aos meus.

Do sentimento de achar que o mundo era um problema passei, um dia de cada vez, a sentir gratidão por tudo o que tenho e me rodeia. Da obsessão por mim próprio passei, um dia de cada vez, a olhar para as necessidades dos outros. Do sentir que eu quero e preciso de uma cadeira numa qualquer sala de AA passei, através do serviço, um dia de cada vez, a ajudar a preparar a sala, as cadeiras e o café para poder reunir com os companheiros.

De ser um problema para os outros que me rodeavam, passei a fazer parte da solução de alguns dos problemas das suas vidas.

Da ideia que a minha recuperação nunca seria possível passei, um dia de cada vez, a sentir a presença e o milagre de um Poder Superior que se manifesta nesta e através desta Comunidade.

A mudança começou em mim mas só foi possível pô-la em prática porque existiram aqueles que anonimamente criaram e fizeram crescer este programa de recuperação. Aqueles que hoje permitem que ele se pratique e que seja vivenciado por muitos, incluindo eu próprio. Aqueles que transmitem a mensagem da sua experiência, força e esperança. Aqueles que com esforço altruísta e Amor incondicional permitem que, hoje em dia, existam grupos e estrutura a funcionarem.

Sinto muita gratidão por aqueles que me amam, familiares e amigos que nunca de mim desistiram. Mas existem aqueles que, do problema me mostraram a solução, e por esses nutro um Amor incondicional de gratidão. E esses denominam-se Alcoólicos Anónimos.

Bem hajam!

Bruno S.

Área  6