MEMÓRIAS. O MEU PRIMEIRO GRUPO.

(Ou a minha homenagem ao grupo que me abriu as portas de AA)

O meu primeiro contacto com Alcoólicos Anónimos foi através do Atendimento Telefónico. Passados 20 anos, a senhora que me atendeu continua em recuperação.

Era uma sexta-feira de Agosto, 1996. Do outro lado da linha recomendaram-me a reunião das Necessidades, o grupo “Coragem de Mudar”. “Não é o grupo onde eu me recupero, mas, por acaso, hoje vou lá”, disse-me ela. E eu também fui.

Estava pouca gente na reunião, era Verão e muitos membros do grupo estavam de férias. Conheci o V. que chegara às reuniões uma semana antes. O V. seria, durante os seis meses seguintes, um companheiro nesta viagem que agora começava. Apesar de apenas estar há uma semana nas reuniões, estava entusiasmado com a descoberta de AA e foi ele, com tão pouco tempo, que me fez o acolhimento.

Recordo as duas pessoas que estavam na mesa. A Antonieta a moderar, e um senhor da Margem Sul, já de certa idade, que falava no seu Poder Superior ter sido, por uns tempos, uma caixa de sapatos. Duas pessoas que já não existem e que nos deixaram em sobriedade.

Nessa noite, depois da reunião, duas companheiras levaram-me com elas a tomar café. Senti, pela primeira vez, pertença. Pertença essa que aumentou quando no dia seguinte uma delas me telefonou perguntando se estava bem e dizendo que o carro dela se tinha incendiado! Pela primeira vez, alguém partilhava comigo algo importante.

O grupo “Coragem de Mudar”, soube eu depois, já tinha vindo das “Janelas Verdes”, fazendo jus ao seu nome. Contavam-me histórias dos primórdios de AA, de o grupo atender o telefone à porta da reunião, a primeira experiência de atendimento telefónico em Portugal, dos Décimos Segundos Passos, das partilhas todas direccionadas para o Primeiro Passo e da lenta mudança introduzida por pessoas que aprofundavam o estudo dos Doze Passos. Levaram-me uma noite a jantar em frente ao sítio da reunião das “Janelas Verdes”, onde os companheiros iam lá comemorar os aniversários, ou onde se reuniam em jantares.

Em 1996, ainda não existia a estrutura actual, nem existiam as áreas. Lembro-me de ir à minha primeira convenção ainda sem esta estrutura, mas já a iniciar-se o caminho que iria lá dar e que se realizou em Tróia com os membros desse grupo. Não me recordo de nenhuma reunião, apenas do calor humano que senti, do clima de recuperação que se vivia. Conhecer companheiros em recuperação de todo o país, ver que éramos muitos com um propósito comum, sentir o contentamento e a festa de celebração. Quanto ao grupo, tinha-se desenvolvido e imensos membros estavam presentes. Depois de ter chegado a Lisboa houve um dia ou dois em que me pareceu estar nas nuvens, com todo aquele fim-de-semana na convenção. Iniciávamos um período de “boom” em número de membros. Tudo parecia correr bem em Alcoólicos Anónimos e nas nossas vidas.

Na segunda-feira seguinte à minha chegada, conheci outras pessoas. A G., a IP, o AF. Pessoas que iriam ser fundamentais na minha recuperação. Aquelas senhoras, a que amorosamente chamávamos “tias”, mudaram a minha vida e moldaram o meu carácter em recuperação. Toda a minha visão da recuperação e da própria vida, foi modificada e moldada por elas. Tenho um imenso sentimento de gratidão e Alcoólicos Anónimos, para mim, confunde-se com elas. São as minhas referências de base. Embora não tenha tido, nessa altura, sobriedade continuada, foram esses valores que aprendi e que ainda perduram, que me levam a estar, neste momento, em recuperação. Eram meia dúzia de pessoas com algum tempo de sobriedade e de experiência, que apostaram em mim, muito antes de eu o fazer.

O grupo tinha três reuniões semanais: segundas, quartas e sextas. Às 19 horas. Entretanto, continuámos a fazer jus ao nome “Coragem de Mudar”: mudámo-nos para a Lapa e, finalmente, para a igreja de Santa Isabel. Tive o privilégio de frequentar esse grupo alguns anos. Lembro-me de levarmos os móveis para a Lapa e, meses mais tarde, para Santa Isabel. Recordo-me da festa, a única até agora, de fim-de-ano, que fizemos na sala grande da Igreja de Santa Isabel, a passagem de ano e de século, 1999, entrada em 2000. Lembro-me de o P. fazer nesse dia um ano de recuperação e de lhe darmos a medalha pouco depois. Nessa altura, alguns grupos, ou pessoas dos grupos, compravam pequenas medalhas comemorativas para assinalar os aniversários individuais de recuperação.

Lembro-me de quase todas as pessoas que fizeram parte desse grupo nessa altura. Em Alcoólicos Anónimos, os princípios estão acima das personalidades. E pessoas transmitiram-me esses princípios. O meu profundo agradecimento a quem mo fez.

A certa altura abriu-se mais uma reunião às terças-feiras.

Entretanto, nos últimos anos, a vida fez-me frequentar outros grupos e, quanto a esse grupo, existiram novas mudanças de sala e os horários são diferentes. Talvez outras pessoas possam enriquecer este relato com memórias de antes da minha chegada, assim como dos tempos mais modernos. O grupo continua a existir e mantém-se em funcionamento. A ensinar, como fizeram comigo, a ter coragem de mudar. E como o fazer. Mantendo a porta aberta. Sempre.

O meu obrigado e reconhecimento profundo.

Pedro M.

Área 7