O Meu Percurso

A doença de alcoolismo e a descoberta da Oração da Serenidade


A doença de alcoolismo e a descoberta da Oração da Serenidade
Vou tentar, da forma o mais sucinta possível, dar uma ideia de como cheguei ao meu “fundo do poço”.
Aos 24 anos separei-me, ficando mãe + pai do meu filho, que na altura tinha 4 anos. O pai ficou em Londres, de onde regressei com o nosso rebento. No dia em que fiz 25 anos, conheci um novo e grande amor. Essa pessoa bebia socialmente, mas em quantidades enormes. Eu acompanhava. No entanto, nunca vivemos juntos, pelo que era uma situação de beber demasiado apenas quando saíamos, ou por breves períodos de férias (normalmente apenas alguns fins-de-semana). Não notei que essa forma excessiva — mas esporádica — de beber me afectasse a saúde ou o desempenho social e profissional.
Esse relacionamento durou cerca de 6 anos. Terminou quando o meu filho, com 11 anos de idade, começou a consumir drogas. Tentei sempre comunicar com o meu ex-marido, pedir ajuda para o filho, mas sem qualquer resultado. Tornei-me adicta ao trabalho. Para além do emprego, trabalhava em casa e colaborava ainda com três empresas de consultores. Não havia tempo para beber. À medida que a toxicodependência do meu filho se agravava, eu ia ficando mais destruída emocionalmente.
Fazendo uma retrospectiva, diria que foi próximo dos 40 anos de idade que comecei a procurar a ajuda do álcool, intoxicando-me para adormecer as raivas, os medos, a impotência para controlar… Todavia, continuava ainda na loucura de trabalhar dia e noite, embrenhando-me no trabalho a fim de me alhear de tudo o resto. Nos breves intervalos, ia beber. Aos 41 anos, fiz uma alteração radical: consegui transferência para um local bem longe de Lisboa e, “pelo caminho”, casei com alguém que também queria fugir… Asneira total, pois vim a descobrir que o meu segundo marido tinha adicção ao álcool e ao jogo. Passei a trabalhar para o filho, a namorada do filho, o novo marido e todas as despesas resultantes das adicções! A ajudar à festa, a minha deslocação para a província, vinda da sede, foi muito mal acolhida e a vida também se tornou insuportável no emprego. Resultado: fins-de-semana de grandes consumos de álcool, desde que não tivesse trabalho em casa para os clientes de Lisboa que ainda me procuravam.
O segundo casamento acabou por minha iniciativa, após uma miraculosa recuperação do meu filho, conseguida na sequência de uma nova mudança: mudei com a família para o meio do mato, uma casa abandonada havia mais de 10 anos que me foi cedida por ser um local completamente isolado. Eu continuava a trabalhar na cidade, palmilhando, entre água e terra, muitos quilómetros na minha deslocação diária. É que, para chegar à tal casa, seria preciso um tractor e, no Inverno, nem mesmo esses lá chegavam, porque havia que atravessar uma ribeira (nessa altura do ano, eu tinha de me mudar dos pés à cabeça, roupa e calçado, ao chegar ao emprego!). Aí o meu filho fez uma cura “a frio”, começou a lidar apenas com pastores e, ao fim de três anos, regressou, recuperado, a Lisboa, para casa dos avós.
Voltei a beber apenas esporadicamente e mudei para mais perto da cidade. Mas o meu filho teve de regressar ao Alentejo, após uma breve recaída. Já tudo normalizado, mãe e filho, tranquilos e ambos a trabalhar, o destino deu-nos um presente envenenado: perto de meio milhão de euros num prémio do totoloto. O meu filho escolheu a casa a comprar, mudámos de cidade. Os “amigos” chegaram-se a nós, e foi o descalabro total. Ambos deixámos de trabalhar, eu consumia álcool e o filho drogas e álcool. Eu meti baixa até à reforma, o filho simplesmente abandonou o trabalho. O dinheiro durou 8 meses, juntando o meu ordenado que também desaparecia.
Decidi pedir internamento para mim. Conheci o nosso maravilhoso Programa de Alcoólicos Anónimos e decorei de imediato a Oração da Serenidade. Não deixei totalmente de beber logo de seguida, mas a minha forma de estar mudou radicalmente. A “nossa” Oração ajudou-me em quê? Pois bem, passei a aceitar e ganhei coragem para dizer não de uma forma assertiva. A minha mudança de atitude levou a que o meu filho fugisse de mim: foi trabalhar para a Alemanha. Deixou a casa e a mãe destruídas, física e financeiramente.
Com a ajuda do nosso Programa e de companheiros maravilhosos que fui conhecendo nas diversas salas que frequentei após o internamento, consegui ir restaurando a casa e pagando as dívidas acumuladas por mim e pelo filho. Tenho também uma reunião por semana na cidade onde vivo, e aqui vou tentando fazer o que posso. Na Alemanha, já tenho um neto com 7 anos e vem outro a caminho. O meu filho está bem e eu consigo visitá-lo uma vez por ano.
Peço desculpa pela extensão desta partilha mas, tendo agora 64 anos de idade, acabo de resumir 40 anos de vida!
Em jeito de conclusão:
Se eu não tivesse conhecido o nosso Programa, que não consigo dissociar da Oração, a sabedoria que tinha nascido comigo continuaria adormecida, não me serviria para nada. Com o conhecimento do nosso Programa, passei a saber aplicar, em cada situação, essa sabedoria que durante tanto tempo esteve ausente do meu discernimento e das minhas atitudes. Um dia de cada vez (e, por vezes, foi mesmo necessário um minuto de cada vez), sei que só eu posso mudar o curso da minha vida. Não posso mudar os outros, nem devo deixar que as suas atitudes perturbem a minha serenidade. No meu Grupo, tento aplicar o Programa o melhor que sei: receber todos bem e por igual; não dar conselhos, mas sim testemunhos sobre a minha própria vida e sobre o meu próprio caminho para a sobriedade. Através do meu exemplo, dentro e fora do Grupo, mostro como estou agora – grata, serena, solidária, em paz comigo mesma e com os outros, e, acima de tudo, em sobriedade.
Não tenho problemas em assumir a minha doença, sempre que tal me parece importante para ajudar alguém, directa ou indirectamente. Trago sempre comigo os cartões de AA e o “Só por Hoje”, para entregar quando me parece útil. Para me manter serena, tento afastar-me de pessoas negativas na minha vida particular. No entanto, enquanto membro de AA, ouço todos os que me procuram, seja pessoalmente ou por telefone, sem atender à terrível questão da “personalidade”. Se vou tendo resultados ou não, deixou de ser uma preocupação, pois abandonei as expectativas. Vivo tranquila, sabendo que faço a minha parte, só por hoje. Se eu não tiver paz de espírito (no meu entender é isto a serenidade), vou voltar a beber. E a isso, eu digo NÃO.
Acima de tudo, estou muito grata ao meu Poder Superior, ao meu Padrinho, aos companheiros em AA e, perdoem-me, em primeiro lugar ao Bob e ao Bill por terem criado o nosso Programa.
Isabel M.