OUTRA VEZ NO “1.º DEGRAU”

Antes de aceitar que tinha, na realidade, um problema com o álcool — e agora sei que é uma doença —, perdi muitas coisas… Não me estou só a referir a

bens materiais e ao dinheiro que esbanjei, mas principalmente ao meu crescimento como Ser Humano, como homem. Emoções que atordoei, emoções

que adormeci, sentimentos que não senti, amizades que fui perdendo, entre muitas outras coisas em que também está muito marcada a passagem do

tempo, fazendo com que os meus defeitos de carácter, com o uso do álcool, crescessem sem que eu me apercebesse, muito menos admitisse.

Fiz tratamentos psiquiátricos e psicológicos e fui também internado, o que me levou a desviar de admitir o meu principal problema. Acreditava que todo

o meu sofrimento, mal-estar psicológico, físico e mental, desinteresse pela vida, chegando ao ponto de tentar pôr termo a ela, poderia ter uma

explicação que não o consumo do álcool, arranjando sempre alguma justificação. Nesses anos de sofrimento estava sempre presente o atenuador e

mau companheiro álcool que me moldava, quer fosse nos sentimentos de raiva, frustração, indignação, euforia, alegria ou tristeza, entre outros. 

Atenuador esse que também estava presente quando eu tinha problemas para resolver e responsabilidades para assumir, como qualquer outra pessoa,

servindo de escape para fugir de tudo e de todos, isolando-me cada vez mais.

No seio da minha família, que fiz muito sofrer, já nada me interessava, nem se estavam preocupados comigo por eu estar a fazer noitadas a beber copos, 

fazendo-os passar noites em claro e dias de angústia permanente.

Foi após eu baixar os braços, depois de muito desespero e impotência, e admitir perante mim e a minha família que tinha um grave problema com o

álcool, querendo-me tratar porque sozinho não era capaz – já tinha feito por diversas vezes paragens de meses sem beber, mas quando voltava a beber 

cada vez era pior –, fui para um internamento, desta vez sim, direccionado para o consumo do álcool.

Foi pena ter sido apenas aos 35 anos de idade, pois desde muito cedo o meu consumo de álcool era fora do normal e bastante acentuado, achando em

tenra idade que aguentava muito e que era preciso muito álcool para me embebedar, mas foi mesmo a tempo felizmente. O internamento e a iniciação 

nas reuniões de Alcoólicos Anónimos fizeram com que eu não desperdiçasse mais tempo na minha vida e apreciasse as coisas boas que ela oferece. Para

não falar do facto de quase ter perdido o relacionamento com a mãe do meu filho e o crescimento dele que, na altura do meu internamento, começara a 

andar.

Fiz o Primeiro Passo do programa dos Doze Passos de Alcoólicos Anónimos, “Admitimos que éramos impotentes perante o álcool, que as nossas vidas se

tinham tornado ingovernáveis”, no último internamento, por imposição e obrigação, o que me levou a arrastar a sua conclusão até ao limite da data que 

me tinha sido imposta. Elaborei-o de uma forma curta, atabalhoada, calculista e manipuladora no conteúdo, para que parecesse bem a quem o lesse.

Mas quando o li em voz alta, nada fazia sentido. Não o tendo feito de forma sincera, honesta e verdadeira, fiquei ciente de que o tinha feito de forma

errada e que teria de o fazer depois, talvez qualquer dia, se assim calhasse, se me lembrasse — bem, ficava para depois, como tudo o que eu me

propusera fazer até então.

Foi depois de ir pela primeira vez a um Fórum de Serviço, que foi mesmo a minha primeira participação em eventos de AA, que fiquei com a noção de

que teria de mudar algo radicalmente para me ajudar a mim próprio na minha recuperação.

Isto apesar de eu estar abstinente/sóbrio há 2 anos e 2 meses, com ajuda de medicação, a frequentar reuniões, a partilhar e a ouvir partilhas de

companheiros recém-chegados, e de outros com mais ou menos tempo que eu de recuperação, depois de ter comprado variada literatura de AA, ao

ponto de não saber quais os livros que já tinha comprado – o que é certo é que só tinha começado a ler um, as Reflexões Diárias. Tinha-me surgido um

dilema quando quis descobrir qual o melhor livro a ler primeiro, tendo começado vários e de seguida parado de imediato, por não me achar preparado

para os ler.

Nesta indecisão, ocorreu-me: e porque não começar pelo princípio? Pelo “1º degrau” da minha caminhada na recuperação? Comecei a ler o Primeiro 

Passo, agora sim por minha iniciativa, vontade e necessidade, e porque eu quero. Lendo-o de novo agora, entendo-o com outra perspectiva e fico com

uma nova vontade de praticar o Programa como me é sugerido, tentando também conhecê-lo com base na nossa literatura. Tenho vindo a adquirir cada

vez mais interesse pela leitura, com o objectivo de arranjar ferramentas para evitar uma recaída e me manter atento a essa possibilidade.

Com muita Gratidão, bem-haja AA como um todo.

Pedro