Sempre presente

Há já algum tempo que penso escrever para esta admirável revista, que faz chegar ajuda a todos os companheiros espalhados por este país e, tendo hoje um pouco de tempo livre no emprego, resolvi escrever uma breve partilha.

O álcool tornou-se, desde cedo, o meu melhor “amigo”. Quase como uma bengala, andava comigo para todo o lado. Era presença habitual nos bons e maus momentos. Por vezes, até aparecia sem ser convidado. Ocasionalmente, “rezava” para que ele não comparecesse, mas sem sucesso: quando menos esperava, lá estava ele. Assemelhava-se a um deus, sempre omnipresente:

   - Ele esteve presente nos dias em que tudo corria bem;

   - Ele esteve presente nas minhas primeiras reuniões sociais com amigos, ainda na adolescência;

   - Ele esteve presente no meu primeiro beijo com a mulher que ainda me atura;

   - Ele esteve presente no meu percurso universitário;

   - Ele esteve presente nas entrevistas para emprego;

   - Ele esteve presente no meu casamento e lua-de-mel;

   - Ele esteve presente no nascimento do meu filho;

   - Ele esteve presente todas as vezes que me reunia com amigos;

   - Ele esteve presente em todas as reuniões familiares;

   - Ele esteve presente todas as tardes depois do trabalho;

   - Ele esteve presente em todas as minhas férias;

   - Ele esteve presente nos dias em que tudo corria mal;

   - Ele esteve presente no funeral dos meus pais, avós e primo;

   - Conclusão, ele esteve presente quase diariamente desde a minha adolescência até ao dia em que entrei em recuperação.

Hoje, pergunto-me, em consciência, se alguma vez estive comigo mesmo em todos esses momentos. Será que fiz luto pela morte dos meus pais? Será que dei o devido valor ao nascimento do meu filho? Hoje, após umas quantas 24h desde que tomei a minha última bebida e depois de 28 dias em tratamento, chego à conclusão de que sempre tive medo. Medo da criação divina, medo de viver a vida e medo da morte.

Das lições que aprendi, uma delas é a de que a minha consciência é o meu maior guia. Não consigo penalizar-me pelas vezes que errei em não a ouvir, pois foi um erro, deslize meu que o destino tratou de resolver e me fazer entender que o certo é seguir o que me traz paz ao coração.

O reconhecimento da minha impotência perante o álcool, a humildade que tive em pedir ajuda e a decisão em entregar a minha vida a um Poder Superior a mim mesmo, abriu-me a porta para um crescimento como ser humano que nunca tivera em muitos anos de vida. Sabendo que o meu percurso em sobriedade é, para já, muito curto e que o caminho que tenho pela frente é longo e sinuoso, acredito que posso ultrapassar quase todos os obstáculos que encontrar pela minha frente com a ajuda do Programa dos Doze Passos, de todos os companheiros e amigos de AA, da minha querida família e, principalmente, com a ajuda do meu Poder Superior.

Agradeço a Deus só por hoje não ter bebido e, a todos os companheiros que lerem esta partilha, um grande bem-haja e um desejo sincero de mais 24h em sobriedade.